Já voltei pró Alentejo
Aqui é que é o meu chão
Não é dinheiro que invejo
Só a minha criação
Só a minha criação
Já fiqueo descansado
Estou na terra do pão
Quero viver ao teu lado
Fialho Barreto – 1977
O camponês tem mais fome
De terra que tem de pão
Só um pensar o consome
Poder-se abraçar ao chão
Poder-se abraçar ao chão
Beijar que tudo lhe deu
Sentir-lhe o seu coração
Um dia chamar-lhe seu
Fialho Barreto – 1977
Já o Sol estava posto
Só um pássaro se ouvia
Cantava mesmo de gosto
Sei que era a cotovia
Sei que era a cotovia
Soava muito baixinho
No seu cantar só dizia
Não me pisem o ninho
Fialho Barreto – 1977
Rurais andam dobrados
Suor regando a terra
Corpos sempre forçados
Luta que não é guerra
Luta que não é guerra
Mas conquista do pão
Heróis do vale e serra
Geada e vento suão
Fialho Barreto – 1977
É co resto do mundo
Co Alentejo faz fronteira
Por isso sou vagabundo
Vivo sem eira nem beira
Vivo sem eira nem beira
Longe da minha nação
Já corri a terra inteira
Só estou bem no meu chão
Fialho Barreto – 1977
Malmequer criado no campo
Delírio da mocidade
Pelas tuas brancas folhas
Malmequer diz-me a verdade
Malmequer diz-me a verdade
E guarda-me o teu segredo
Pelas tuas brancas folhas
Malmequer não tenhas medo
Fialho Barreto – 1977
Tenho barcos tenho velas
Tenho navios no mar
Tanta mocinha bonita
Não me deixam namorar
Não me deixam namorar
Nem me deixam combater
Se contigo não casar
Com outra não pode ser
Fialho Barreto – 1977
Não quero que vás à monda
Nem à ribeira lavar
Só quero que m’acompanhes
No dia em quem me casar
No dia em que me casar
Hás-de ser minha madrinha
Não quero que vás à monda
Nem à ribeira sozinha
Fialho Barreto – 1977
Ribeira vai cheia
O barco não anda
Tenho o meu amor
Lá daquela banda
Lá daquela banda
Eu cá deste lado
Ribeira vai cheia
E o barco parado
Fialho Barreto - 1977
Toda à vida fui pastor
Tota a vida guardei gado
Tenho ua cova no peito
De m'emcostar ó cajado
De m'emcostar ó cajado
Por esses campos a rigor
Toda a vida guardei gado
Toda a vida fui pastor
Filaho Barreto - 1977
Eu tenho à minha janela
O que tu não tens à tua
Um vaso de manjericos
Que dá cheiro a toda a rua
Que dá cheiro a toda a rua
Tu és a flor mais bela
O que tu não tens à tua
Eu tenho à minha janela
Filaho Barreto - 1977
Ó erva cidreira
Que estás na varanda
Quanto mais se rega
Mais a folha abranda
Mais a folha abranda
Mais a rosa cheira
Que estás na varanda
Ó erva cidreira
Filaho Barreto - 1977
Ô passar daribeirinha
Pus o pé molhei a meia
Não casei na minha terra
Fui casar em terra alheia
Fui casar em terra alheia
Por não achar cá na minha
Pus o pé molhei a meia
Ô passar da ribeirinha
Filaho Barreto - 1977
Ó romper da bela Aurora
Sai o pastor da choupana
Vai dizendo em altas vozes
Muito padece quem ama
Muito padece quem ama
Mais padece quem namora
Sai o pastor da choupana
Ó romper da bela aurora
Fialho Barreto - 1977
TRIUNVIRATO
I
Pai quem é aquela
No coreto da praça
Com saia rodada
Espingarda de caça?
A senhora Política
Falando ao povinho
Que nunca a entende
E só bebe vinho
Por que veste assim
E vem de espingarda
Tem pregas tão fundas
Em saia tão parda?
Cada prega um partido
Todos vêm à caça
Trá-la às vessas
Para ver se passa
No direito é listada
Pra todos os gostos
Conforme ideais
Classes e postos
Do avesso é igual
Porque todos lá estão
É aliança táctica
Ou coligação
As pregas são fundas
Segundo a manha
Por isso em balão
De roda tamanha
Ninguém a percebe
Na lamúria gritada
A todos promete
Mas nunca deu nada
Meu povo! Meu povo!
Diz essa verdade
É dela inteiro
Eis a «igualdade»
II
Pai quem é aquela
No adro da igreja
Com a cruz na mão
Faz gestos pragueja?
A Senhora Religião
Falando ao povinho
Que não a entende
E quer ser santinho
Por que veste de negro
Tem a cruz na mão
Faz gestos pragueja
E diz «meu irmão»?
Ela veste de negro
Pois trabalho no escuro
Quanto menos se veja
Maior o seguro
Tem a cruz na mão
Só pra disfarçar
Pois tem os punhais
Atrás do altar
Ela não pragueja
Mas fala latim
Só na excomunhão
Faz cara ruim
Não se sabe onde
Diz ter um inferno
E quem se lhe opõe
Ir pró fogo eterno
A troco de um céu
Que não diz onde está
Explora o povinho
Mas nada lhe dá
Meus fiéis! Meus fiéis!
A verdade que diz
Porque o povo é fiel
Por isso infeliz
III
Pai quem é aquele
Vestindo elegante
Vem de automóvel
Com altifalante
É o Senhor Aldrabão
Falando ao povinho
Que não se apercebe
Do falso caminho
Tem ares de importância
Vestindo elegante
E fala no que for
Mesmo ignorante
No seu porte altivo
Parece eminência
Tudo compra e vende
Até consciência
Com altifalante
Chama a atenção
Faz-se ouvir longe
Nem parece ladrão
Só de automóvel
Vai a todo o lado
Um ladrão diferente
Bem acomodado
Está mui protegido
Tem leis a favor
Compra sua honra
Guarda e doutor
Com aquelas damas
Faz triunvirato
Tiram pão ao povo
Comem num só prato
A povo diz «Senhor!»
A única verdade
Merece senhoria
A honestidade
IV
Pai quem é aquele
Com a cabeça inchada
Nu e magrinho
Que nunca diz nada?
Esse é o povinho
De vida arrastada
Que houve charlatões
Ao largar a enxada
Porque vem nu magrinho
Tem a cabeça inchada
Escuta charlatões
E nunca diz nada?
Está nu magrinho
Pois tiraram-lhe tudo
A troco de mentiras
E ele ficou mudo
Tem a cabeça inchada
Pela confusão
Porque onde chega
Só houve aldrabão
Parece ser mudi
Pois vai oprimido
Mandam-no calar
Ao primeiro gemido
Não tem liberdades
São desses Senhores
Que mesmo charlatões
Alguns são doutores
Deixa que o mandem
Sente-se inferior
Ele mesmo a si
Não se dá valor
É tão desgraçado
Que nem se revolta
Da opressão miséria
Que sente à volta
Dão-lhe duas coisas
De resto mais nada
Por vezes favor
O vinho e enxada
V
Obrigado meu pai
Pela explicação
Eu quero ser povo
Odeio charlatão
Mas povo diferente
Vestido com pão
E se a cabeça inchar
Seja a revolução
Domingos Fialho Barreto
In "Rescaldos do Vinte Cinco de Abril" Poesias
Na nota introdutória o autor refere que o livro ficou concluido em 1978 mas o tema continua bem actual.
O Manoel Ramos Bonito
É um homem intelegente
Pra rescar um olivale
Tem que usar uma corrente
Em chegando à propriedade
Ele tem que apertar o cinto
Pra mostrar habelidade
O Manoel Ramos Bonito
Começa a rescação
À frente de toda gente
É homem de openião
Mas também é intelegente
Aquilo pra ele é uma brincadeira
Porque já sabe que não vai male
Ele já encontrou a manera
De rescar o olivale
A um canto acenta o esquadro
Pra depois seguir em frente
Mas ainda tem que pôr umas canas
Pra estender a corrente.
Quadras de José Rita dedicadas ao amigo Manuel Bonito
MOTE
MOTE
Este é o primeiro post de uma colecção que espero vir aqui publicar, e a que resolvi chamar "Poetas da Minha Terra".
Reunir o máximo de poemas e versos, alguns já conhcidos e editados, outros ineditos que me vão chegando pelas mãos dos autores ou dos seus familiares.
Dar voz aos poetas da minha terra, que em verso vão contando as suas alegrias e tristezas, as suas esperanças e os seus desalentos. Versejam a sua história, transmitindo-a na maior parte das vezes de boca em boca.
Preservar esse património que afinal relata a nossa história e é de todos nós.
São estes so meus objectivos.
MOTE
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